quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Silencídio


Ela chorava. Perdia-se em lágrimas, mas não simples lágrimas. Eram lágrimas de súplica, do seu subconsciente, que corriam em seu interior e não por seu rosto. Lágrimas silenciosas e sofridas que ninguém sonhava saber que ela sempre conteve. Ela não sabia que do outro lado da cidade, um outro alguém também sofria, sentado na calçada fria, sentindo o frio do inverno percorrer sua espinha. Esse que chorava na calçada também não sabia que não muito distante daquele lugar e daquelas lágrimas, um outro "ele" chorava em seu próprio travesseiro, tentando abafar os sons que vinham de fora. Nenhum dos três tinham a mínima ligação mas eram unidos pelo mesmo motivo: o silencídio.

Poderia lhe explicar de mil maneiras o que é o silencídio, essa palavrinha bizarra que não faz sentido nenhum pra você. Silencídio é um fantasma... Não um fantasma desses filmes clichês de hoje em dia. O silencídio é um fantasma que nasce e se desenvolve em algumas pessoas, sugando toda a sua força de vontade. Sabe aquela motivação que te faz acordar todos os dias de manhã? Pessoas que vivem o silencídio se sentem tristes por ainda conseguirem abrir os olhos. Sofrem caladas e se matam mentalmente, sem ninguém saber. Normalmente, quem sofre de tal mal não conseguiu por em prática o que conhece muito bem na teoria.

A menina chorava pela perda de sua dignidade. Naquela noite infeliz, ela voltava pra casa sozinha de mais um dia cansativo no colégio e apesar de tudo, estava plenamente feliz, pois descobrira uma paixão que um amigo nutria por ela. Ficara feliz com tal revelação. O sentimento era recíproco. Foi quando ela resolveu tomar a decisão que mudaria seu destino para sempre. Cansada da cobrança dos pais em relação as notas, resolveu dar uma volta maior, para arejar as ideias, e seguiu por um quarteirão mais distante de sua casa, mas que a levava ao mesmo lugar. Foi quando ele apareceu e levou dela o sopro da pureza.

Ele chorava no canto da calçada, em frente a um bar fechado. Ele sabia que não tinha culpa de nada, mas mesmo assim, preferia agravar a dor culpando-se por ter brigado com ela. O celular ainda mantinha a chamada conectada, mas ele não tinha forças pra falar mais nada e muito menos apertar um simples botão para que aquela chamada gélida e cruel se encerrasse. Ele sabia que sua conduta não era uma das melhores. Vivia noites de diversão enquanto ela lia livros, rezando para que ele voltasse bem pra casa. Foi tudo rápido demais, segundo o depoimento do vizinho. Ela saiu de casa para buscar a pizza do sabor favorito dele. Ela só queria comer um pedaço e o resto ficaria sobre a mesa, esperando ele chegar, como sempre ocorria. Brigaram naquela noite, antes dele sair. Ela só queria mais um tempo com ele, não se esbarravam há muito e precisavam conversar. Grosseiro, fez-se um estrondo quando bateu a porta e deu “adeus” à ela, dizendo que iria dar uma volta. Aquele maldito pedófilo bateu em retirada com a chegada da policia e não prestou atenção na mulher envolta em um roupão que gentilmente, checava se a pizza tinha vindo em bom estado. E lá se foi ela... A pizza estava em bom estado. Ela, não mais.

Pobre menino. Não entendia o que estava acontecendo com seus pais. De uns tempos pra cá, eles só gritavam e se batiam. Ele ouvira parte das conversas e algo sobre morte e prisão ecoava em sua cabeça. Pobre menino. Perdera sua inocência tão cedo, nas longas noites que via seu pai entrar no quarto e tampar sua boca. Ele não entendia e era melhor assim. Só conseguia ouvir os murmurinhos vindos do andar de baixo que vizinhas fofoqueiras faziam. “Essas malditas”, pensava ele. O veneno ia sendo destilado pouco a pouco, enquanto sua mãe gritava que não merecia todo aquele sofrimento e pedia um calmante com urgência. Ele ficava imaginando o motivo daquilo tudo e onde estava seu pai. Talvez estivesse “brincando” com algumas meninas. Pobre menino.

Foi nessa noite de inverno, gélida e cruel que ocorriam os silencídios de três pessoas aparentemente distantes, mas que se uniram por um motivo maior: não se prenderam somente ao silencídio, reuniram forças e se retiraram do mundo. Dormiram pra sempre. Ela preferiu colorir a água da banheira de vermelho. Ele aproveitou um amigo liberal e resolveu colorir sua mente, transformando tudo em um paraíso artificial. O menino, pobre menino, também tomou calmantes. Calmantes demais. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário